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” – Sei lá” – sugeriu a Madalena, quando lhe pedi um tema enquanto ela própria escrevia, a alta velocidade o seu exercício de escrita criativa.
“Sei lá” – há tanto que não sabemos e sobretudo o que nunca chegaremos a “saber” para crescer e tornar-se mais livre em relação ao sentido do nosso percurso de vida. Que importa? O verdadeiro verbo que abre a vida não é “saber”. Talvez os verbos “conviver”, “pressentir” e “confiar” nos transportem para muito mais perto desse “lá”.
“Sei lá” – mas não, precisamente, não sabemos o “lá”. Ele não constitui objeto de saber, mas apenas de expectativa incondicional. “Lá” é mais longe do que podemos alcançar com a visão e exerce sobre nós um poderoso influxo de atração que pulveriza todo o nosso “saber”. Sim, é a esse preço. Um empobrecimento total do que pensávamos prender nas mãos com segurança, mas para poder abri-las com liberdade.
Todo o ser em movimento para um futuro ainda não desenhado nem previsto, mas que pode ser antecipado por gestos inauditos. Por exemplo: partilhar tudo, sem prévia escolha, quase como num “rapto”.
Não disse um “roubo” – só se pode roubar o coração. E “lá” tem a ver com as terras perdidas do coração, território luminoso por desbravar, mas que visto desde o nosso saber, parece obscuro e arriscado, quase como se nos fosse deixar á míngua de ser.
Mas não: deixa-nos à míngua de ter e de parecer, e isso custa-nos mais experimentar: “lá” jorram as fontes da incerteza viva, da alegria sem motivo, do convívio que não tem fim. “Lá” é a pátria de toda a gente e podemos refugiar-nos nas suas tendas de campanha que deixariam siderados os habitantes dos palácios. Porque essas tendas são acolhedoras e estão tecidas à prova de intempéries.
“Lá” o sono é repousante, e multiplicam-se, à entrada das tendas, conversas sem fim sob as estrelas. Quem “sabe” se também nós chegaremos, ousadamente, a habitar “lá”?
(Exercício do livro “Quero Ser Escritor” de Margarida Fonseca Santos e Elsa Serra